Percurso

Gosto da palavra percurso para nomear os caminhos e as direções que trilhamos em análise. Também gosto de usar essa palavra para dizer das implicações teóricas e clínicas que nos movem, enquanto analistas – isso porque nossos percursos são contados um a um, mesmo entre aqueles que compartilham escolhas similares. É aquilo que nos implica – e, então, nos move – que faz do nosso percurso, um. 

O meu trabalho com as leituras não surgiu sem desafios – e digo leituras porque, se estamos seguindo a linha da psicanálise lacaniana, entende-se que os analistas tomam a fala de seus pacientes como um texto. As leituras só me foram possíveis depois de desenrolar um longo fio de palavras – puxado a partir de uma história sobre um piolho, um livro e uma máquina de costura. É uma história que se sustenta nos desejos da minha mãe e da minha avó, mas também no meu desejo de fazer algo próprio a partir daquilo que, nas mulheres da minha família, me antecedeu – não à toa, o tema do feminino é o ponto de retorno em meus estudos. 

Ainda estou desenrolando esse fio, mas aprendi algumas coisas sobre costurar e descosturar palavras sem máquinas de costura – falo sobre tessituras linguísticas, redes significantes, amarrações discursivas, retalhos de escrita, furar as etiquetas, remendar as memórias, escrever no corpo, desfazer o nó entre uma palavra e uma significação, alinhavar a história, fazer laços com o mundo e com o outro. É um trabalho de analista-costureira, mas sem moldes pré-fabricados – porque os livros escritos em análise, se escrevem enquanto se fala. 

Isso me faz pensar que o nosso trabalho, embora fundamentado em bases técnicas, é um tanto artesanal – não industrial. Afinal, como desvincular a técnica dessas implicações teóricas e clínicas que movem o percurso de cada um? • cada um desses analistas que também são costureiros, desenhistas, tradutores, compositores, poetas, matemáticos… 

*** Esse texto é fruto de um momento de respiro, inspirado pela carta aberta da @aliandraalves.psi e pelos stories do @manoelnetopsi – quem quiser ver, corre lá que ele colocou nos destaques.

E obrigada @lua.ze pela partilha, veio em boa hora