Tem gente que é da harmonia poética – outras são do desalinho, do grito, do palavrão. Há quem fale para curar – e também há quem fale para fazer doer. Aqueles que tentam tomar a palavra na radicalidade de uma inteireza sabem bem sobre a sua dureza. Tem palavrinha que gruda, sentenças que atravessam a carne, ditos que retornam em looping. Curioso que para se descolar de tudo isso, muitas vezes, usamos… outras palavras. É preciso uma “contra-palavra”, concordaram Jô Soares e Roberto Carlos numa conversa sobre seus transtornos obsessivos. Achei interessantíssimo. Ambos sofriam de uma palavra impronunciável. Jô, muito perspicaz, encontrou sua saída: bastava pronunciar mentalmente a tal contra-palavra para “tudo ficar bem”.
Um dos grandes paradoxos do palavrear é que ao mesmo tempo que é possível falar ao infinito (porque não existe palavra última), é impossível dizer tudo (a palavra tem limite). Os leitores de Clarice sentem na pele que cedo ou tarde a gente precisa se conformar com a pobreza do dito – nos aproximamos de um abismo a cada vez que tentamos dizer o indizível. A impossibilidade é dessas coisas irremediáveis mesmo – e embora nos dê notícias de um limite, penso que saber do impossível também nos abre os olhos para os possíveis. E aí, cedo ou tarde, a gente descobre a riqueza do dito. Manoel de Barros, aquele que não gostava de palavras acostumadas, entendia bem desses possíveis. Ele sabia que “descobrir novos lados de uma palavra era o mesmo que descobrir novos lados do Ser”.
Falar não é uma aventura sem consequências, mas de todas as aventuras humanas, tenho pra mim que essa é a mais bonita.
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