Mãe-advérbio-de-lugar

As crianças estão brincando na água; no escuro do pôr do sol, ainda é possível enxergar os contornos de cada um. As mães, do lado de fora, reconhecem bem os contornos de suas crias; as crias, vez ou outra, param a brincadeira e buscam os contornos de suas mães; logo voltam a brincar, logo voltam a procurar. Com os ventos se intensificando, os pequenos saem da água com frio, vão ao encontro das mães e são recebidos com toalhas, roupas secas, abraços e alimento. Tentei registrar o momento nesta foto, mesmo sabendo que sua singularidade não caberia em uma imagem – essas nuances, as guardei na memória e, sobre elas, costurei algumas palavras.


Mãe é advérbio de lugar – comecei tentando aproximar a foto e o que ficou de fora dela; Mãe é ponto de referência, de onde é preciso sair para viver e para onde se quer voltar quando o dia fica escuro – continuei tecendo as palavras, tentando alinhavar os pontos. Que haja uma dose de coragem, outra de desejo e outra de loucura para soltar a mão da mãe e entrar na água, porque ficar só do lado de fora, de mãos dadas o tempo todo, devasta – tentei fechar um ponto aqui, mas palavras faltaram; Que esse contorno fora da água possa ser mãe-advérbio-de-lugar, essa mãe-lugar para onde os filhos olham quando já está escuro, mas eles ainda querem continuar brincando – retornei para o começo, tentando fechar os espaços deixados pela insuficiência das palavras com um não-sei-o-quê de esperança.

Hoje, neste dia que se homenageia as mães, lembrei, ainda e mais uma vez, de uma frase que ouvi da @anapaula.lucena “perder a mãe é perder a origem” – costumo brincar que essa é uma frase insignificável. Lembrei também de outra frase que li da @psijuliarathier – que, também, arrisco dizer, insignificável: “a linguagem é a casa da mãe”. Ainda lembrei de uma outra insignificável, porém assustadora, da @brumelianebrum “não há como escapar, o útero é pra sempre”. Digo insignificáveis não porque não há sentido para elas, mas porque seus significados ou são insuficientes ou múltiplos, não se fecham em si – e nos colocam a trabalho.

Falar sobre essas figuras que chamamos de mães é trabalhoso, movimenta o pensar – multiplica as palavras e, também, nos deixa sem elas; sempre há algo mais para ser dito, sempre há algo que permanece não-dito. A linguagem @psijurathier definiu bem: é “casa da mãe joana” – sempre cabe mais um verso. Então, insistimos e falamos um tanto mais, escrevemos homenagens nos dias das mães – para as vivas e para as mortas. Depois, percebemos que nem tudo foi dito – que as palavras e as costuras sobre elas saíram um tanto furadas. Talvez seja por isso que termos como “coração de mãe” ou “casa da mãe Joana” dizem de lugares muitíssimo cheios, mas ainda vazios – ainda com espaço para alguns quês de certeza, outros quês de pergunta e muitos quês de não sei.