Psicóloga e Psicanalista • Consultório em Botafogo – RJ

VOCÊ NÃO ESTRANHA DE SER VOCÊ?

Gosto de pensar a psicanálise através da inquietante pergunta: “você de repente não estranha de ser você?” – formulada por Clarice Lispector em seu livro Um sopro de vida. É nessa possibilidade de se estranhar e de se tolerar estranha a si mesma que eu enxergo, no horizonte, um traçado para a clínica psicanalítica se desenhando. Um dos pontos mais importantes da descoberta de Freud, foi perceber como nós somos impelidos por algo que nos é estranho – lapsos, esquecimentos, sonhos, sintomas, atos falhos – e, que nas chamadas formações do inconsciente, há algo do qual nada queremos saber.

Por isso, gosto tanto de partir da pergunta de Clarice: para questionar o próprio “eu” é preciso, também, o estranhar. Isso porque o trabalho da psicanálise vai de encontro aos nossos avessos e nos confronta com um paradoxo: isso que chamamos de “eu” não é uma unidade coerente e idêntica a si mesma – somos divididos e, portanto, discordantes de nós mesmos.

Para trilhar um percurso por este território outro, na presença de um analista, palavreamos sobre as pedras e os buracos que encontramos no caminho – e, muitas vezes, reencontramos as mesmas pedras e contornamos o mesmo buraco, quase como se estivéssemos repetindo o roteiro de uma mesma história. Nesse cenário, considerando a singularidade de cada atendimento, uma análise vai reverberar de modos e em tempos bastante distintos em cada um – embora esse ponto em comum, esse “estranhamento de si”, se faça presente e nos atravesse em diversos momentos do processo analítico.